Contemporâneo de Homero, Hesíodo foi um grande poeta grego que viveu no século VIII a.C. Sua obra mais conhecida é a Teogonia, que nos conta como o mundo surgiu. Teogonia significa o nascimento dos deuses (theos = deus + gignesthai = nascer). Ela constituía, com os poemas de Homero, a base do aprendizado de como entender o mundo e a reverenciar o poder dos deuses. De certa forma, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que chegou até nós. Hesíodo descreve a criação do mundo e a seguir relaciona, cronologicamente, cada uma das gerações divinas.
Ali temos a narração a origem da origem quadrupla da totalidade, que personificavam os elementos primordiais do Universo. No princípio havia o Caos, a personificação do vazio primordial, anterior à criação, quando a ordem ainda não havia sido imposta aos elementos do mundo.

Hesíodo inicia a Teogonia com um hino às Musas, quando ele relata como as filhas de Zeus com Mnemosine inspiraram seu canto no Monte Hélicon. As Musas então lhe concederam o dom do canto presenteando-o com um cetro, feito de um ramo de loureiro para que ele cantando celebrasse os deuses imortais, os acontecimentos presentes, passados e futuros, as façanhas dos homens antigos e também a elas próprias no começo e no fim das canções. Então ele inicia um diálogo com elas:
Pelas Musas e pelo golpeante Apolo
há cantores e citaristas sobre a terra,
e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas
amam, doce de sua boca flui a voz.
Se com angústia no ânimo recém-ferido
alguém aflito mirra o coração e se o cantor
servo das musas hineia a glória dos antigos
e os venturosos Deuses que têm o Olimpo,
logo esquece os pesares e de nenhuma aflição
se lembra, já os desviaram os dons das Deusas.
Alegrai, filhas de Zeus, dai ardente canto,
gloriai o sagrado ser dos imortais sempre vivos,
os que nasceram da Terra e do Céu constelado,
os da Noite trevosa, os que o salgado Mar criou.
Dizei como no começo Deuses e Terra nasceram,
os Rios, o Mar infinito impetuoso de ondas,
os Astros brilhantes e o Céu amplo em cima.
Os deles nascidos deuses doadores de bens
como dividiram a opulência e repartiram as honras,
e como no começo tiveram o rugoso Olimpo.
Dizei-me isto, ó Musas que tendes o palácio olímpio,
dês o começo e quem dentre eles primeiro nasceu.

Daí as filhas da deusa da Memória respondem:
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
dos imortais que tem a cabeça do Olimpo nevado
e Tartaro nevoento no fundo do chão de amplas vias
e Eros: o mais belo entre os deuses imortais
solta membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade
Na Teogonia existem duas formas de procriação: por união amorosa e por cissiparidade, quando um ente gera espontaneamente outros seres. Os primeiros seres, os deuses primordiais também chamados de Protogenos, nascem todos por cissiparidade.
Assim do Caos nasceram Gaia, a superfície da Terra; o Tártaro, as profundezas da Terra e Eros, o princípio de atração entre os seres. Depois o Caos gera a Noite (Nix) e Erebos, uma antecâmara do Tártaro. Convém observar que enquanto Eros, o princípio da união, é estéril, sendo que dele mesmo nada surgiu, o Caos, o princípio da desordem e separação é prolifico, tendo inúmeros descendentes.
Então Nix se une a Erebos em uma relação amorosa e gera Hemera, o dia e Éter, a região superior do céu. Mas sozinha, sem se unir a nenhuma outra divindade, Nix procriou o inevitável e e inflexível Moros (o Destino), os gêmeos Thânatos (a Morte) e Hipnos (o Sono), Oniros (a legião dos Sonhos), Momos (o Escárnio), Oizus (a Miséria), as Hespérides, guardiãs dos Pomos de Ouro, as Queres (a Fatalidade e a morte violenta), Nêmesis (a deusa da vingança, justiça e equilíbrio), Apáte ( O Engano, a Fraude), Filotes (a Amizade, o Carinho), Geras (a Velhice), Éris (a Discórdia), Limos (a Fome), Phtono (a Inveja), Ênio (a carnificina da Guerra), Lissa (a Loucura e o Desespero) e Caronte, o barqueiro do mundo dos mortos.
Gaia pariu por cissiparidade Uranos, o céu das estrelas; Oureas, as montanhas e Pontos, o mar.
Uranos se uniu à sua mãe Gaia em uma hierogamia, o casamento sagrado, fecundando-a através da chuva de sêmen. Geraram os Titãs (Oceano, Ceos, Crio, Hiperíon, Jápeto e Cronos), as Titânidas (Teia, Reia, Temis, Mnemósine, Febes e Tetis), os Ciclopes Arges, Estérope e Brontes, seres enormes com um só olho na testa, divindades ligadas aos raios, relâmpagos e trovões, e os Hecatônquiros Cotos, Briareu e Giges, seres com cem braços.
Este relacionamento de Uranos com sua mãe Gaia e sua linhagem constitui a primeira geração dos deuses da Teogonia. Posteriormente falaremos das outras duas.

Oureas tem um simbolismo preciso e significativo, na medida em que a montanha é alta, elevada, ponto de encontro entre o céu e a terra, símbolo de transcendência, como o Monte Olimpo que veio a ser a residência dos deuses e também o ápice da ascensão humana.

Os descendentes de Pontos com Gaia foram Nereu (deus das maravilhas do mar), o mais antigo deus do mar e pai das cinquenta Nereidas; Taumas (os aspectos perigosos do mar) que unido a Electra, filha de Oceano teve como filhos Iris e as Harpias (Aelo, Ocípete e Celeno); Euríbia (a deusa da fúria e da violência do mar); Fórcis e sua irmã e esposa Ceto, progenitores de monstros como as Górgonas (Esteno, Euriale e Medusa), as Greias (Ênio, Pênfredo e Dino), e Ladão, o dragão que cuidava do Jardim das Hespérides.
Ao se unir ao Tartaro, Gaia produziu monstros como Equidna, um ser com tronco de mulher e cauda de serpente, e Tifon, um monstro tão grande que sua cabeça tocava os astros celestes e suas mãos iam do Oriente ao Ocidente. Eles são chamados de seres ctónicos ou telúricos, ou seja, oriundos da Terra.
Tifon e Equidna se uniram e tiveram vários filhos:
- A Esfinge, monstro com corpo de um leão alado e cabeça de mulher que levara terror a Tebas devorando a quem não respondesse seus enigmas. Foi derrotada por Édipo, que conseguiu responder a pergunta: “Qual o animal que de manhã tem quatro pernas, ao meio dia duas e a noite três pernas”. A resposta era o homem, que na infância engatinha, depois anda sobre suas duas pernas até chegar a velhice, quando se apoia em uma bengala;
- Ortros, um cão bicéfalo com cauda de serpente que montava guarda ao rebanho de Gerião e foi morto por Hércules;
- O Leão da Nemeia, que tinha o couro de material impenetrável, também morto por Hércules;

A Hidra de Lerna, um monstro com corpo de dragão e três cabeças de serpente, sendo que quando uma delas era cortada nascia outra em seu lugar, que possuía um hálito venenoso e em cujo sangue Hércules embebeu suas setas para que seus ferimentos fossem incuráveis, após derrotá-la com ajuda de Iolau;

- Cérbero, cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem;
- A Quimera, um monstro com corpo de leão e duas cabeças, uma de leão e outra de cabra, que lançava fogo pelas narinas e possuía uma serpente na cauda, foi morta por Belerofonte montado no cavalo alado Pegasus;

O Dragão da Cólquida, conhecido como o guardião do Velocino de Ouro, que dormia com um olho aberto e outro fechado, mas que foi vencido pelo herói Jasão com a ajuda de Medeia.
Aqui se encerra a primeira linhagem dos deuses que vai do Caos aos filhos da Terra, do Mar e do Céu. Como foi visto, do Caos provêm os males que atormentam a vida humana como os terríveis filhos da deusa Noite. Na família do deus Mar há monstros de estranhas formas que habitam as águas marinhas. Na família do Céu temos seres fantásticos que eram escondidos no seio de Gaia. Além disto temos os monstros tectônicos, frutos da união de Gaia com as profundezas do Tártaro. Agora veremos a segunda e terceira geração de deuses, que tem como protagonistas Cronos e Zeus.